| BIBLIOGRAFIA |
[Necrológio]

Capa de Victor Giudice
180 páginas
1ª Edição - 1972
Edições O Cruzeiro

Contos:

  • O arquivo
  • Sinephryza
  • A peregrinação da velha Auridéa
  • A válvula
  • Oz gueijos
  • Grão medalha
  • Os pontos de Harmonisópolis
  • In perpetuum
  • Carta a Estocolmo
  • Curriculum mortis
  • Pôquer
  • Falecimento, morte & vida de F.
  • Salvatouros

Necrológio

Comentários Críticos

Antônio Olinto, O Globo, fevereiro de 1973
Necrológio é vanguarda e como tal tem de ser estudado. As narrativas que Victor Giudice reuniu aí são vocabularmente novas, estruturalmente novas e novas como aproveitamento de ritmos de narração.(...)
Necrológio foge a classificações, mesmo que admitamos tratar-se de um livro de contos. Sua forma é poesia e/ou poesia-prosa, suas linhas são versos e seus versos se escachoam em ritmo de narrativa prosaica. A análise de cada parte, de cada trecho desses contos, nos leva a uma autópsia vocabular e conceptual e a uma decupagem, no sentido fílmico da palavra, capaz de pôr a nu as entranhas da palavra e da frase. Victor Giudice justapõe vocábulos, sons e simples sinais gráficos. Essa justaposição funciona com detonadora de uma explosão gestaltiana que faz o sentido de sua obra avançar muito além do que significaria normalmente. (...)
Das treze narrativas do volume, gosto especialmente de Carta a Estocolmo, com seu personagem em busca da precisão temporal e um crescendo vocabular que mistura poesia e prosa.(...)
O importante é que se leia Victor Giudice. Seu livro é vanguarda, é dos que fazem bem à literatura de um país.

Mário de Oliveira, Suplemento Literário do Minas Gerais janeiro de 1974
De várias formas pode-se fazer crítica social. Victor Giudice, escritor de transbordante imaginação, mago do colorido verbal, utilizou-se de algo sutil e contundente - a caricatura - e investiu com coragem contra uma sociedade em crise, ironizou-a, constatou-lhe a falência, o óbito, traçou seu necrológio. E nem é outro o título de seu primeiro livro de contos - Necrológio - que a crítica aplaudiu de pé ao ser lançado fins de 72. Vanguardista, experimentador de língua, da linguagem e dos processos de enfoque, Giudice não cai no laço do formalismo frio, do verbalismo oco das inconseqüentes brincadeiras de falso concretismo, que já se vão tornando comuns na literatura brasileira. Utiliza-se de tais recursos, é verdade, mas com total domínio de situação, como meio para, através do exagero, da distorção, da caricatura atingir o fim que tem em mente: a crítica de costumes, dos princípios de uma sociedade artificial, bolorenta. Lúcido, sem apelar para o didático e o panfletário, põe o autor a nu as hipocrisias sociais, as ambições sem freio, as taras do sexo e a alienação crônica da chamada gente culta, que entre deglutições de queijos franceses põe-se a falar de Ravel e Paul Klee com o mesmo à vontade com que salta do tema "Jung" ao tema "cirurgia plástica", no conto Oz gueijos.

Trecho do artigo intitulado Literatura de transgressão, de autoria da professora da USP, Nelly Novaes Coelho, publicado em vários veículos tais como Jornal de Letras, O Minas Gerais, Correio do Povo e O Estado de São Paulo
(...) é como se Victor Giudice, atentando para o fenômeno da mesmice absurda do cotidiano, em lugar de refletir sobre ele ou de expressá-lo dramaticamente resolvesse enfocá-lo em tomada direta e desmistificá-lo através de um contacto de choque.
É o caso do conto O arquivo, com o resignado e absurdo empregado que ao fim de 40 anos de trabalho devotado, e por isso premiado com progressivas reduções de salário, acaba por se reduzir a um arquivo de aço. É o caso de A válvula, com o tragicômico Senhor Francisé "dos quarenta e cinco anos (de imaculada folha de serviços prestados sem uma só falta ou)" que, depois de aposentado, entra em estranha gestação, torna-se objeto das atenções de uma junta médica internacional, para depois transformar-se em inseto e ser, afinal, carregado pela descarga da privada, cuja válvula foi pressionada pela própria esposa, Donalice. (...) O caso de outros e outros contos, onde a denúncia feita por Giudice torna-se mais cruel e contundente, principalmente pelo fato de ser veiculada através da imagem e não do pensamento reflexivo. (...)
Em Necrológio a ruptura se dá já ao nível da escrita e da estrutura (lingüística e narrativa) e se transforma no elemento-chave da denúncia ideológica que lhe está subjacente. Veja-se, por exemplo, o conto Oz gueijos, onde, enfocando uma grotesca reunião social, Victor Giudice alcança de maneira notável a desmistificação do universo literário e do real. Este último, através das "modas" que marcam as reuniões sociais e da vacuidade, hipocrisia e desnorteamento que caracterizam não só as relações sociais entre amigos, mas principalmente as relações amorosas. As coordenadas comuns do seu universo literário são rompidas através da total transgressão do discurso convencional. Transgressão que pode ser notada seja na notação fonética da linguagem que, já a partir do título, predomina em toda a narrativa (denunciando entre outras coisas, o mimetismo de comportamento a que as convenções sociais obrigam); seja na substituição dos nomes próprios dos personagens por sintagmas definidores de cada personalidade (Homem Gordo, Pintora Baiana, Moça Magra etc); seja nos neologismos (que, para lá do ludismo e grotesco que emprestam ao texto, revelam no autor uma extraordinária síntese na apreensão da realidade, pois consegue fundir em uma palavra, comportamentos ou fenômenos bastante complexos, como em "desculpiderreteu-se"; "magdassunto"; "suspirolhantes": "fulminolhou"; "gordimobilidade"; "sorrimastigante"...); seja ainda no desejo de substituir na escrita, o normal registro linear-progressivo, pelo registro simultâneo de fenômenos que na realidade se estão dando simultaneamente. (...)
Ficcionista da contestação, Victor Giudice recusa a estória convencionalmente desenovelada numa progressão linear, escalonada por episódios, no sentido de representar determinada realidade humano-social e destacar determinada atitude ética, que pode ser apreendida pelo leitor, em percurso horizontal pelo texto. Em lugar, pois, de se pretender uma representação-de-mundo e oferecer uma mensagem evidente e unívoca, sua prosa ficcional transforma-se em escritura e transgressão-de-mundo, cuja essencialidade precisa ser descoberta em sondagens verticais. Em conclusão, Giudice revela-se neste livro de estréia como o artífice da palavra, aquele que procura (na linha de um Cortázar "desescrever a literatura", - romper com o esperado, o convencional e através do realismo satírico/fantástico/absurdo, instaurar uma nova ordem no universo literário e, por conseqüência, no humano.
[Alto da Página]