| A MÚSICA |




ÓPERA CINEMA ÓPERA

Trecho do ensaio publicado no caderno Folhetim, da Folha de São Paulo, de 12 de agosto de 1984

(...) É difícil dizer-se qual o primeiro filme sonoro construído sob os padrões da estrutura operística, mas um exemplo clássico é, sem dúvida, ...E o vento levou. Antes de tudo, é necessário que se observe a constância da presença musical no decurso das trilhas sonoras da década de 30. A música de fundo é incessante. O compositor inventava dois ou mais temas e tecia variações sinfônicas, procurando as diversas equivalências às emoções sugeridas pelos diálogos, e dividindo a composição em seções, tal como se fazia nas óperas do período romântico. Os efeitos quase sempre eram subliminares, ou seja, dificilmente um espectador percebia que estava ouvindo um diálogo sobreposto a uma sonorização musical.
No caso de ...E o vento levou, o austríaco Max Steiner manipula o famoso tema de Tara durante mais de noventa por cento das quatro horas de duração do filme, escrevendo variações, criando subtemas, valendo-se dos artifícios da orquestração para exprimir desde a atmosfera da festa inicial, na mansão dos O'Hara, até a separação de Rhet Butler e Scarlet na última cena. Entre os dois extremos, a partitura passa pela guerra, pelo baile, pelo incêndio de Atlanta, até atingir um primeiro clímax operístico na imagem de Scarlet, de volta a uma Tara destruída, no momento em que ela devora uma raiz e promete, dramaticamente, que nunca mais passará fome. Nesse ponto, o efeito da divisão sonora é tão marcante que serviu para assinalar o final da primeira parte, ou do primeiro ato, como diriam Wagner e Verdi. é claro que a cultura musical de Steiner, como a de qualquer músico vienense, foi amamentada ao som de, pelo menos, três óperas de Mozart: Le nozze de Figaro, Die Zauberflöte e Così fantutte.

[Victor Giudice] [Alto da Página]