| AS LETRAS |

SONETOS



Quero sentir a minha mão errante

Se, pelo menos, eu pudesse vê-la

No torvelinho de minha existência

Procuro-me em você e não me encontro.








[Alto da Página]
Quero sentir a minha mão errante
errando em tua pele, sem destino.
Tua saliva eu quero penetrante
queimando minha boca, em desatino.

Quero em meu gesto a placidez do andante
e no meu peito o allegro libertino.
Quero inscrever a imensidão no instante
cristalizado em versos de Aretino.

Eu quero todas as paixões do mundo
e todos os amores em congresso.
E quero a eternidade do segundo

Num tempo sem partida nem regresso.
Quero um desejo lúcido, fecundo,
pecaminoso, cúmplice e inconfesso.

[Alto da Página]



Se, pelo menos, eu pudesse vê-la

agora, num relâmpago de vida,
talvez a minha noite mal-dormida
galgasse a madrugada numa estrela.

A sua voz, pudesse então retê-la
e ouvi-la sempre, séria e comedida,
para recompensar a minha lida
em ter paixão e não satisfazê-la.

E num momento, caso adormecesse,
escreveria em dialeto onírico,
mentiras que meu sonho fornecesse.

Assim, quem sabe este poema empírico
não fosse a chama em seu desinteresse
para concretizar em mundo lírico?

[Alto da Página]



No torvelinho de minha existência

eu sigo dois caminhos conflitantes:
contar os contos mais extravagantes
e ter paixões de pura adolescência.

Nem sempre, como ocorre com freqüência,
minhas amadas são minhas amantes.
E logo escuto acordes dissonantes
emudecendo os sons de minha essência.

E vem o medo de que as duas sinas
se tornem minhas próprias assassinas
e o dom de narrador então me falte.

E ao ver meus pensamentos em ruínas,
amordaçados por dez mil vaginas,
sou dois temores numa só gestalt.

[Alto da Página]



Procuro-me em você e não me encontro.
Você se encontra em mim, não se procura.
Procuro além e perco na procura
o ponto em que é possível nosso encontro.

Pergunto-me a você, me desencontro.
Você me encontra aquém e se assegura
de minha insegurança tão segura
quanto a pergunta em nosso desencontro.

Que desalento a noite traz no encanto
que me acalente assim desencantado
Até desenlaçar todo o segredo?

Você se enlaça no seu acalanto,
atormentada, enquanto eu me degrado
e no reencontro só encontro o medo.

[Victor Giudice]